O pediatra José Martins Filho faz um alerta aos pais O pediatra José Martins Filho tem mais do que uma preocupação estritamente fisiológica com as crianças. Cuidar da saúde física dos pequenos é resultado direto de sua escolha profissional, mas o amor do médico por seus pacientes ultrapassou as paredes do consultório. Tocado pela fragilizadade cada vez maior de nossas crianças, que sofrem com a ausência e negligência dos pais, o médico resolveu alertar a sociedade para mal que estamos fazendo as novas gerações. Para tentar operar um mudança de comportamento social, o livro o literatura um jeito de dialogar e trocar experiências com os pais. O primeiro livro, Como e porque amamentar, escrito há mais de 20 anos, chamou a atenção para a importância da amamentação Em sua mais recente obra: O Quem cuidará das crianças? A difícil tarefa de educar os filhos, publicada pela Papirus, no ano passado, o médico alerta sobre as conseqüências que a falta da presença dos pais e da família pode trazer para as crianças e para nossa sociedade. “As crianças estão se tornando cada vez mais tristes e infelizes e as mães e os pais não conseguem ter tempo para o carinho, o afeto, a atenção. (…) eu ouso colocar que a gênese da violência urbana pode estar sim na primeira infância, cada vez mais abandonada, terceirizada e desprezada.” Blog – Por que o Sr. resolveu escrever este livro? Na sua prática como pediatra, o que mais tem chamado sua atenção no que se refere à educação das crianças?
José Martins Filhos – Este livro é o último de uma série que escrevi nos últimos anos e que começou com Como e porque amamentar, da editora Sarvier, que fiz há mais de 20 anos. Este foi um dos primeiros livros escritos em português sobre aleitamento materno. A obra foi um dos precursores desse movimento que hoje se vê no Brasil e no mundo sobre a importância da amamentação para a criança e para a mãe. A seguir, escrevi Filhos, amor e cuidados, reflexões de um pediatra e Lidando com crianças, conversando com os pais (ambos pela Papirus). Nessa época eu estava como reitor da Unicamp e parei um pouco de publicar por conta das milhares de atividades de um reitor. Porém, logo ao sair da reitoria, comecei a escrever um livro que se chamou A criança terceirizada – os descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo, que foi muito bem aceito e provocou uma discussão muito grande na mídia. Escrevi porque senti uma tremenda modificação na ligação das famílias com seus filhos. Neste mundo moderno, muitas mães apesar de muitas vezes quererem ficar com seus bebês não têm tempo para isso. A licença gestante de apenas quatro meses, bem ao contrário do que existe em muitos outros países, era um empecilho. Lutamos muito, junto com aSociedade Brasileira de Pediatria, para conseguir a licença de seis meses. Passei a dar muitas palestras e conferencias em congressos, universidades, escolas, igrejas, empresas, para mostrar o grande prejuízo de desenvolvimento de bebês que precocemente são afastados de suas mães e, às vezes, nem amamentados são. Isso é muito prejudicial para a saúde dessas crianças. O próximo livro foi feito em parceria com um psicólogo, o Dr. Ivan Capellato. Tratamos de um tema muito discutido. Chamou-se Cuidado, afeto e limites. E finalmente cheguei a este último que também está me trazendo muito retorno e participação das pessoas. O Quem cuidará das crianças? A difícil tarefa de educar os filhos analisa a situação atual de uma sociedade altamente preocupada com a questão econômica e que impede a mulher mãe e também o pai, um pouco depois, de poder se dedicar a uma atividade fundamental que é cuidar dos filhos. Na minha prática clínica diária percebo, cada vez mais, dependendo da classe social, como as crianças, parecem atrapalhar a vida adulta. Chego a ouvir afirmações assustadoras, como: “não tenho tempo para uma criança. Saio às 7 horas, volto às 10 da noite. Não nasci para isso”, etc, etc.etc… As pessoas praticamente desconhecem que pelo menos até o 6º ano de vida, a família, a mãe, o pai, as pessoas são fundamentais no desenvolvimento físico, psicológico e mental das crianças. Há indícios sérios de que mesmo a violência que vemos hoje nas cidades, tem muito a ver não só com a questão da privação econômica, mas, e acho principalmente, com a privação emocional. As crianças estão se tornando cada vez mais tristes e infelizes e as mães e os pais não conseguem ter tempo para o carinho, o afeto, a atenção. Do ponto de vista das últimas conquistas cientificas, principalmente neurofisiológicas, isso é realmente muito complicado e por isso, que, citando vários autores, eu ouso colocar que a gênese da violência urbana pode estar sim na primeira infância cada vez mais abandonada, terceirizada e desprezada.
Blog – A infância hoje parece ser mais curta do que antigamente? As crianças amadurecem cedo. Por quê?
Não acredito que a infância seja mais curta. As crianças são lesadas porque são obrigadas a terem responsabilidades e decisões muito precocemente. As crianças precisam de lazer, de brincar, de descansar, de ócio e isso tem que ser respeitado, principalmente nos primeiros anos de vida (pelo menos até o 6º. ano). Fico preocupado com a tendência de algumas famílias acharem que as crianças têm que ser responsáveis, com compromissos, verdadeiros mini executivos em tão tenra idade. A infância não encurtou, em minha opinião, ela está sendo usurpada.
Blog – Recentemente foi aprovada a lei da Palmada. O que o Sr. acha da Lei? Hoje, o que vemos são pais com medo de educar as crianças, seja por medo da repressão do Estado ou por medo de perder o amor dos filhos. O Estado deve interferir deste modo na educação?
A palmada é um ato de agressão e um pouco de covardia. Tenho debatido muito isso não só nos meus livros e conferências, mas principalmente nas mídias sociais. Educação é uma coisa que nada tem a ver com bater. A criança atemorizada, que apanha, fica marcada. Muitas pessoas dizem: “mas eu apanhei e não sou má pessoa”. Eu respondo: “você não é bom e adaptado à vida adulta porque apanhou e sim porque muitas outras coisas boas lhe foram passadas e isso sim o marcou”. Quando a pancadaria é intensa e começa a ser a única forma de “educar”, o que vemos é que a revolta e a violência na idade adulta imperam. Tente ir a um lugar violento, uma prisão, e tente saber quem não apanhava e digo mais muitos desses seres infelizes, totalmente marginalizados, são muito carentes e muitos nunca chamaram ninguém de mãe ou até mesmo de pai. Só colheram abusos, violências, agressões. É isso que queremos? Claro que bater nunca deve ser aceito.
Blog – E os pais, o que devem considerar na hora de educar os filhos?
A principal coisa, e sei que não é fácil, é ter consciência de que colocaram pessoas no mundo e, portanto, devem se responsabilizar por elas e cuidá-las. Estar presentes, apoiar, mas saber colocar limites, sem violência. O problema é que as pessoas têm um comportamento muito paradoxal. Como nem sempre têm tempo, não conseguem educar e quando perdem a paciência acham que educar é gritar, bater. Eu uso muito uma frase nas minhas palestras: “quem grita é porque não conseguiu ser escutado e quem bate perdeu o controle”. É muito ruim… Educar é estar presente, é passar bons exemplos e comportamentos éticos, apesar de tudo que vemos nas TVs, nos jornais, no mundo que nos cerca.
Blog – Que prejuízos a ausência dos pais, que muitas vezes trabalham fora e ficam o dia todo longedos filhos, pode trazer para as crianças?
Acho que já respondi isso nas questões anteriores, mas há trabalhos mostrando que crianças carentes da presença dos pais, e isso mostro muito nos meus livros, tendem a ter mais problemas de desenvolvimento emocional. Há trabalhos ingleses que mostram que filhos de casais separados, em que houve litígio, brigas, ausência, têm menos facilidade para desenvolver seus estudos, têm mais chance de desemprego e até de empregos piores que crianças crescidas em famílias em que o afeto e o carinho sempre existiram. Há muitas outras coisas. Há trabalhos, super interessantes, que mostram que em crianças em situação de ausência familiar, e com carência afetiva, até o crescimento é afetado. Crescem menos e como sempre há um possível déficit imunológico a presença de enfermidades, principalmente infecciosas pode ser maior também.
Blog – É possível amenizar este distanciamento? Como?
Sim. Sei que as licenças gestantes em nosso país colocam os pais, principalmente as mães, em situações difíceis, porque têm que trabalhar para ajudar no lar, mas é preciso ter consciência da necessidade de priorizar a família e as crianças. Não é bom que uma mulher seja excelente executiva e passe a maior parte do tempo fora do contato com seus filhos. O pai a mesma coisa. Se não é possível compatibilizar o emprego e a família, a situação começa a ficar de risco. Há trabalhos que falam que crianças de menos de dois anos em que a mãe se afasta por longos períodos, mais de 24 horas, sofrem muito e precisam quase que imediatamente fazer um novo vínculo. Nestes casos, a avó, ou uma tia ou uma babá costumam tomar a posição da mãe. Sou um pouco claro. peço aos casais que pensem muito, sempre que possível, se querem mesmo ter um filho e que saibam o que isso significa. Criança dá trabalho, exige presença. No primeiro ano de vida, precisa ser amamentada; acorda a noite, chora; tem que trocar as fraldas; dar banho, etc, etc..
Blog – No livro, o Sr. fala sobre os resfriados repetitivos. O que eles sinalizam?
Os resfriados repetitivos, as febres, as famosas viroses infantis nos primeiros anos de vida que são até motivo de chacota nas mídias sociais, nada mais são que a precoce idade das crianças para as creches e os vírus começam a passar de uma para outra, principalmente porque muitas mães, impossibilitadas de faltar ao trabalho, levam seus filhos mesmo doentes para as creches. E isso eu sempre peço aos pais: uma criança enferma, com febre, por favor, fiquem com elas. Deem carinho, cuidem delas. O problema, além de puramente de contágio e da idade, também tem um pouco de um fator imunológico. Crianças tristes, sofridas, infelizes, abandonadas, sem atenção, crescem mais devagar, alimentam-se mal e têm maior tendência a apresentarem problemas infecciosos mais frequentes e mais precocemente, mas o problema pior, pode ter certeza, é a questão emocional…
Blog – Há situações em que o pai fica em casa para não colocar o filho na creche. A creche é assim tão prejudicial, quando comparada com a presença da família, que vale fazer de tudo para estarcom a criança?
Tenho visto pais maravilhosos que assumem com muito gosto e dedicação o cuidar dos filhos. Acho isso maravilhoso e se os pais e mães se adaptam a isso nada a criticar. Eu faço pediatria há mais de 40 anos e certas crianças, nunca vêm com a mãe, quase sempre é o pai ou a avô. É muito frequente também mulheres que dizem: “eu não queria ter filhos, ele queria. Então, ele assume o cuidado”. Se o pai é amoroso e cuidadoso é muito melhor do que deixar numa creche ou com pessoas estranhas, profissionais que nunca, conseguem transmitir com a mesma intensidade o afeto dos pais.
Escrito por andrea.antunes 23/02/2012 às 12:22 |