¨ Alguém que tenha aprendido adequadamente os sintomas de hemorragia cerebral, da uremia etc.., achará os problemas virados ao contrário quando chegar ao leito do doente. Os diversos tipos de casos parecem-se muito â beira do leito. A questão aí não é, por exemplo. ¨ Dê-me os sintomas da hemorragia cerebral, da uremia, etc.¨… A questão ao leito é: Aqui está um homem numa crise – o que há com ele?… pois ao leito, um médico tem que ser original, tem que pensar por si mesmo. ¨
Outro dia conversava com o Dr. Helder Gross, colega médico de renomado saber e primorosa ética, formado como eu já há algum tempo, sobre a prática médica de hoje e aquela dos tempos das Enfermarias da Santa Casa no Castelo ou do Hospital Pinel na Urca no Rio de Janeiro. E entre uma e outra recordação lembrei-me dos seguintes episódios:
Médico Interno da Enfermaria B do Hospital Pinel fui um dia chamado por um Médico Residente de Psiquiatria para examinar um paciente que veio transferido de outro hospital e diagnosticado como esquizofrênico. O que instara o colega a solicitar ajuda fora o fato do paciente se encontrar há meses na enfermaria sem falar e quando incentivado a fazê-lo não conseguia e expressava um humor irritadiço. No prontuário lia-se: ¨paciente não fala¨, negativismo, mutismo, paciente irritado..,
Recentemente fui chamado às duas horas da madrugada para examinar um paciente na Unidade de Emergência do HGR. Na solicitação estava escrito em letra praticamente ininteligível, somente: ¨paciente não fala¨, ¨chamar o psiquiatra¨.
Lembro-me que em ambos os casos, após a anamnese inicial e exame físico, escrevi um pequeno cartaz que mostrei aos pacientes onde se lia: o que está acontecendo com o senhor? De posse de papel e caneta que lhes ofereci escreveram: não consigo falar.
Desnecessário dizer que não chamei o colega neurologista àquelas horas. Nos dois eventos sem nem mesmo necessitar de um exame neurológico apurado acabei por chegar a uma H.D. de Síndrome de Wernicke provávelmente afetando a 44ª área de Broca.
A clínica qualquer que seja a especialidade médica exige mais do que seguir protocolos ou computar sintomas como nos ensinou o grande pioneiro da neurologia inglesa do século XIX, John Huglings Jackson autor das palavras introdutórias desse artigo e também o nosso inesquecível mestre Deolindo Couto.
De você meu caro doutor (leitor) aguardo resposta a interrogação que titula a matéria.
Laerth Thomé
Médico-Psiquiatra